Judas e Messias Negro- Uma história sobre revolução e culpa
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- 2 de mar. de 2021
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Atualizado: 13 de abr. de 2024

Esta temporada de premiações está repleta de filmes que abordam a cultura e o movimento negro, o que é extremamente interessante após um ano tão significativo, com os protestos do "Black Lives Matter" ecoando pelo mundo todo. Posso citar aqui "Uma Noite em Miami" e "Destacamento Blood", ambos maravilhosos e muito bem feitos, mas nenhum me impactou tanto quanto "Judas e o Messias Negro".

O filme narra a história de Bill O'Neal, um militante negro infiltrado pelo FBI nos Panteras Negras com o objetivo de espionar e sabotar o grupo, além de reunir evidências para incriminar Fred Hampton, conhecido como "O Messias Negro".
Pode parecer exagero, mas o FBI de fato organizou uma força-tarefa para sabotar os movimentos sociais negros após as mortes de Malcolm X e Martin Luther King. Abalados por essas perdas, os movimentos começaram a crescer em influência, o que preocupou as autoridades

Devo admitir que o paralelo entre Judas e Jesus é perfeito para essa história. Desde o início, vemos que Fred é uma pessoa justa, que procura dialogar e compreende o poder que o povo tem quando está unido. Adoro o momento em que ele está dando uma aula e cita a frase "Guerra é política com sangue, já política é guerra sem sangue".
Assim como Jesus, Fred sabia que a mudança viria através da união do povo, e era exatamente isso que o FBI, principalmente J. Edgar Hoover, temia.
Por outro lado, Bill é o oposto. Criado nas ruas e acostumado a aplicar golpes, ele conhece bem a injustiça do mundo. Tanto que sua arma para cometer roubos é um distintivo e não uma arma. Quando questionado pelo agente do FBI, Bill expressa a síntese de sua personalidade: "Para negros, um distintivo é mais perigoso que uma arma". Apesar dessa visão realista, ele fica mexido com as palavras de Fred. Contudo, continua espionando, pois está tentando salvar sua própria pele. A cada envolvimento maior, porém, torna-se mais difícil para ele continuar com aquela mentira

Mas esses paralelos só funcionam devido ao brilhante roteiro de Bill Berson e à direção de Shaka King. Claro, algumas sequências podem parecer um pouco paradas, mas o trabalho do diretor em não apenas construir, mas também humanizar esses personagens e o mundo ao redor deles é incrível.
Bill sempre se considera mais esperto que os outros, mas sente o peso daquela mentira. Fred está determinado a mudar o mundo e está disposto a morrer por suas convicções. Até mesmo o detetive do FBI que acredita estar fazendo "o que é certo" é confrontado ao ver seu próprio departamento quebrando regras. Tudo isso só funciona graças à harmonia entre o roteiro e a direção.

Vou destacar o elenco, que entrega performances fantásticas, mas as verdadeiras estrelas do filme são Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield. O primeiro incorpora Fred Hampton de uma maneira impressionante, transmitindo o poder dos discursos, a solidão e o desejo de transformar o mundo em um lugar melhor. Kaluuya não tenta imitar os trejeitos de Hampton, mas sim incorporar sua presença, e ele consegue isso com maestria. Cada diálogo dele é imensamente poderoso, mostrando por que as autoridades temiam tanto esse homem.
Já Stanfield também realiza um trabalho magnífico ao retratar a dualidade de Bill O'Neal. Ele navega entre esses dois mundos, mas sente o peso constante das mudanças. Isso é perceptível através de suas expressões e da voz do ator. Até mesmo a cena da "última ceia" só tem o impacto que tem devido ao brilhante trabalho de ambos Kaluuya e Stanfield.
Judas e o Messias negro é um dos poucos dessa temporada pra mim que tenta fazer sua história se aproximar da realidade, faz isso de uma forma sutil, sem precisar de movimentos de câmera extravagantes ou nada disso, além de ser uma belíssima homenagem a Fred Hampton e o movimento dos Panteras Negras e de como a culpa pode correr você por décadas.
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